Entre,sinta-se à vontade. Não repare as estranhezas,as belezas...

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

O Aventureiro e o Historiador

Na imagem, o aventureiro adentrou ao nobre salão, pelo corredor havia tido admiração aos cavaleiros que em suas brilhantes armaduras de ferro, cuidavam dos cavalos por almejarem dar a eles também o brilho, além da aparência de força, e assim intimidar os guerreiros inimigos. O aventureiro se viu nestas missões, mas não, não poderia. Sua paixão era o mar, e por este se encontrava ali. Já no salão nobre, se esforçava para visualizar o rei em sua caminhada de entrada. É difícil imaginar um rei, é o ápice da hierarquia, das regalias, aumentando assim, a ansiedade do aventureiro.

Na imagem, o cavaleiro teria apenas um breve relance da figura do rei a sua proximidade, uma figura alta e robusta, no requisite da graça, decepcionante, afinal, toda nobreza de um rei já se constitui em seu sangue, não precisando cultivar a sua aparência.
O aventureiro teria de se recompor logo o monarca se acomodara em sua poltrona, deixando à mostra apenas sua túnica vermelha.

O monarca espanhol disponibilizara um tempo curto ao aventureiro, para poucas palavras, muito ensaiadas por este, quiçá durante toda a sua existência. Por vezes, se denota a impressão das pessoas darem mais atenção a uma pose criada, a condução de um papel, e não ao real.
O aventureiro genovês não poderia falhar, se preparou exatamente para convencer o monarca espanhol sobre os triunfos que traria a ele, a possibilidade de vantagens sobre o monarca rival, o português.


Ainda na imagem, o genovês teria sido impecável. Através de sua visão do mundo como uma esfera, sua orientação seria circunavegar o oceano Atlântico para poder passar ao Indico, abrindo assim, um novo caminho as Índias. Na imagem, o rei teria se mostrado confuso, pois detinha inúmeras questões políticas em sua mente. A rainha teria adentrado a sala no meio do monólogo do aventureiro, se encantando pela pose confiante deste, e destinado o papel de convencer seu esposo a aceitar o pedido daquele pobre rapaz. Pobre porém valioso, afinal detinha razão pelo plano determinado e coragem, um ato desejado pela rainha, por muitos, pois assim ela poderia se atirar naqueles braços que tanto a encantaram. Naquela imagem, ela teria contribuído dentro de suas possibilidades de opinião na história, que não era nada favorável as mulheres.


As imagens seguintes mostrariam um triunfo conquistado. Não propriamente o planejado, mas o aventureiro teria enviado uma carta ao rei, anunciando a chegada a terra.
Terra misteriosa, logo constatada como nova, anunciada como um novo mundo, como a descoberta da América.

É evidente a força do imaginário, mas não se pode não colocá-lo na balança com o fato empírico. É claro que o peso maior na balança não é generalizado. Sim, alguns decidem pelo imaginário, mas talvez o resultante decorra pela visão dos homens serem inerentes à sua semelhança, aos alcances de seu meio.

Mas, todas estas visualizações foram perdidas a partir das análises de inúmeros livros e documentos do Historiador. Rapidamente, o belo cenário foi destruído.
O Historiador analisava a ideia da “Invenção da América”, e não seu descobrimento, como é aceito e representado como Dogma historiográfico. O Historiador objetiva a visão de uma história ontológica, isto é um processo produtor de entidades históricas e não a existência inerente destas.
O Historiador aborda a possibilidade da viagem de 1492 ser a priori concebida como uma “empresa de descobrimento”. Em suas pesquisas, leu autores que alegavam a existência de uma lenda do piloto anônimo, um sujeito consciênte da existência da América, e que teria entregado a Colombo o mapa com as certas coordenadas para que este pudesse confirmar. Mas como sabemos na história, muitos autores vão a defesa de Colombo, por vezes negando a existência deste piloto, em outras colocando o famoso conquistador no lugar deste, e ainda em outras, autores que conferem o descobrimento como um propósito divino, ou seja, Colombo seria apenas um mero agente.
O Historiador gosta do conceito de seu companheiro de profissão, O´Gorman que ignora a possibilidade de um ato não ser provido de intenção. O’Gorman ainda reduz ao absurdo todas as análises vistas, por chegarem ao limite de suas possibilidades lógicas, sendo que a América tem um processo peculiar, e portanto, levando diretamente toda a história latina e anglo saxônica a uma nova significação, a de ter sido inventada.
Para o aventureiro, a América poderia ser apenas uma possibilidade qualquer de novo mundo, constatado nas lendas medievais. Os motivos que levariam os reis católicos a apóia-lo se referem a rivalidade com Portugal, de aparecer de maneira explicita uma declaração do domínio espanhol sob o oceano. O Historiador observa que Colombo não conseguiu perceber o novo mundo, quando pisou nele, pois postulou sua hipótese numa espécie de crença, fé que eram as Índias. Já os reis espanhóis apenas buscavam um novo espaço para explorar, e encarregaram então, a outro aventureiro a missão de entendimento daquele novo espaço. Américo Vespúcio logo denominaria a terra como a quarta parte do planeta, um novo “continente” que receberia seu nome. A Invenção da América representa um complexo processo ideológico. Os habitantes do novo mundo, foram definidos como humanos, ao contrário do que diziam as lendas medievais, afinal, se colocaria em risco a visão cristã da unicidade fundamental do gênero humano, entretanto, os novos habitantes teriam de ser denominados como inferiores espiritualmente, para assim justificar a missão européia de civilizá-los. A Invenção da América representa então, processos políticos, sócioeconômico da atuação da Europa neste espaço.


O Historiador, humano oscilante, ainda pensava nas imagens que costruira. Detém medo que cometa erros desse tipo, em outros conceitos, mesmo que inconscientemente. Ele tem dúvidas sobre ser totalmente positivo não alimentar o imaginário, os ideias, as utopias. Pensa se comete erros assim quando ainda acredita nos seres humanos, em mudanças históricas.
Mas, como se pudesse afastar esses pensamentos através de um tapa, limpa o ar em sua volta, não queria pensar naquilo no momento, afinal, estava atrasado para um compromisso com sua militância, afinal, aquelas crianças a qual trabalhava o esperavam, com sua cesta de alimentos, com suas palavras reconfortantes.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

O abajur

Era um abajur comprido, em formato moldado a semelhança de uma garrafa dessas de bebidas caras, com o corpo mais fino e um largo achatamento na base. Seu topo, sua identidade, era de um amarelo vivido conseguindo destaque mesmo cobrindo uma lâmpada. Um amarelo vivido em contraste com um quarto de paredes rosa, objetos diversos, em sua maioria sem sentidos, e uma dona formosa, no entanto comum.
O abajur estava ali ha tempos. Fora dado a Moça por uma tia, talvez com uma boa intenção, não se sabe ao certo. Mas a Moça apenas o recebera na qualidade de objeto. Nem sequer se importou com suas formas, gostava mesmo é de quantidade, colecionava adornos, talvez colecionasse momentos, embora refletisse quase nada sobre eles.
Na primeira vez que o abajur falou, o adorno ao lado, o relógio, anunciava duas badaladas da madrugada. Sua tentativa era de estabelecer algum tipo de comunicação, uma espécie de “alo” seguida de um apelo de nota a sua existência. A Moça estava em um sono incerto, aqueles transes em que não se sabe ao certo se está dormindo ou acordado. Ela se movia de um lado a outro, não conseguia ajeitar-se em conforto, descobria e cobria determinadas partes do corpo. Pois quando o frio e a irritação normal da insônia deram a vitória pra consciência, o tagarelar do abajur já era forte e fora por ela ouvido. Mas então, foi a vez da Moça trapacear, iludindo a si sobre o absurdo do acontecido. Quando-se ignora tudo, fica fácil dormir.
Intrigado, o abajur aquietou-se. Mas acabou tomando por decisão, não esperar tanto tempo para estabelecer o próximo passo, já que vivera da mesma forma por três longos anos a espera de conseguir tomar uma atitude. Logo no dia seguinte se pois a prosear. A Moça até se assustou, mas acreditou ser um sonho, levantou tomou um chá e voltou a dormir. O incidente acabou sendo um bom motivo para o uso de calmantes e com eles, iniciar uma nova coleção.
E por meses, se manteve a cena. O abajur a tagarelar e a Moça com sonhos interpretar. O abajur ria das explicações da Moça às amigas que aquele quarto visitava. No começo a história era simples, ela dizia sonhar com um abajur falante. Com o tempo as pessoas perdiam o interesse na história, e mesmo ela, afinal repetir sempre a mesma coisa se torna fatigante. Ai vem as mudanças simples, se fossem longas requereriam pensamentos, planejamento e não se pode esquecer da presença do medo.
A Moça passou a enfeitar a história. Os sonhos com o abajur soavam emocionante, de homens a mármore, na dualidade de fadas à bruxas. Mas o que mais fazia o abajur rir, era a afirmação dela alegando ter procurado especialistas e saber como resultado de se sonhar com abajures um significado de riqueza.

E o abajur falava e falava. Até cantava. E com o tempo, fora facilmente despercebido, por se visualizar inúmeras vezes o mesmo ambiente, tornou algo normal. Agora mesmo que falasse durante o dia, nada acontecia. O abajur foi se especializando na arte das palavras, apreendidas com a observação. Visualizou ali infinitas coisas, mesmo que em sua maioria se exibissem numa ideia de constante repetição, captava o que nem a Moça tecia tempo ou mesmo vontade de ver, as entrelinhas.
É, tudo o que cabia ao abajur, era brincar com as palavras, uma espécie de caça ao tesouro da compreensão. E, como escreveu Tolstoi, ou como assinaria em concordância o abajur, se soubesse exercer a atividade da escrita, o posto da literatura, das palavras como um subproduto da infelicidade, sugerindo que os infelizes inventam diferentes estilos de sofrer, cada um a sua maneira, enquanto os não infelizes se limitam a viver num estado de plenitude, a salvo de contradições.
No quarto, a atividade mais constante, além do sono, da televisão, da presença das amigas e dos familiares, era o sexo. O abajur gosta de contar da vez em que ali dormira um rapaz amigo da Moça. Os personagens iam assistir um filme, e o faziam até o rapaz apertar o abraço na Moça, mordendo-lhe suas orelhas. O abajur descreveria aquilo como um grande arrepio, e contara a tentativa de hesitação da Moça. Mas o amigo insistira, beijando suavemente o pescoço dela, dando a uma mão a função de força, provocação as curvas da Moça, e a outra o papel da leveza.
E as mãos seguiam em suas funções até que a moça com gosto se virou deixando seu corpo de frente ao do rapaz, em um ato simultâneo a um delicioso beijo, descreveria o abajur. O abajur ainda falaria sobre o constrangimento dos amigos no dia seguinte. Notaria pois ser algo difícil de ocorrer. Via cenas incríveis por ali, brincadeiras e tatos enlouquecedores, mas se irritava com a constante mudança de personagens. Odiava quando percebia algum fingimento, ou quando não havia troca de olhares.
Se perguntava, se a Moça se lembraria de um amante antigo, um que era mais constante. Um que a fazia rir a toa, que trazia bombons. Um que se dividia com ela. Desses importantes, que se quer tanto e na primeira vez acaba tendo nervosismo, mas que no final é surpreendente. Surpreendente até se tornar paralizante, devido a dor que o rompimento causa. O abajur gostava de lembrar dele. Já a Moça, talvez não.

Não se sabe se o abajur gostava da Moça, ao passo que se sabe o contrário, que a Moça não ligava para o abajur. O abajur não deveria saber muito sobre ele mesmo. Sabia sobre suas reações, seus pensamentos, mas eram todos as custas da vivência da Moça, ou do ódio que tecia aos objetos que cada vez mais ela embutia ali. Ódio por eles não falarem, ódio pelas dificuldades de não saber lidar com as diferenças, e sobretudo ódio pelas expectativas que nunca deixavam de surgir quando algo novo aparecia por ali, e que sempre terminavam da mesma forma.
Não é que o abajur soubesse muito sobre sentimentos, sobre certezas. Mas se tem uma coisa a qual o abajur achava mais triste do que a rotina, era a solidão.